Celebramos os
80 anos de vida do pintor Rui Aguiar com a apresentação de um conjunto de obras
reveladoras de alguns Rastos e Fragmentos do seu percurso
artístico. A mostra é organizada em três partes: atualidade/arte digital; Sal/Aveiro; e um olhar arte povera/a Fábrica. Três Fragmentos
de um percurso correspondentes a três momentos chave de mudança e de maturidade
na conceção artística que nos permitem observar singularidades temporais e
simultaneamente caraterísticas identitárias do percurso de Rui Aguiar, os seus Rastos.
Fragmentos, são no universo do pintor, objetos, materiais e ideias
que se encontram à nossa volta, reaproveitados e manipulados para a conceção
artística. Tem uma presença constante nos trabalhos de Rui Aguiar desde as
primeiras colagens com recortes de todo o tipo de papel (embalagens, jornais,
revistas) às assemblagens (latas, tampas, garrafas), passando pela pintura com
colagens e, mais recentemente, na manipulação digital de fotografias.
As obras expostas permitem
explorar a diversidade e a singularidade do trabalho de Rui Aguiar. São
escolhidas entre aquelas que o pintor conservou no seu atelier como “obras
disponíveis para eventuais exposições antológicas” e obras inéditas que
encontram agora a oportunidade e motivo de exposição. São obras que revelam o
essencial das técnicas exploradas e introduzidas com grande expressão e
surpresa na Pintura, tais como o uso da tinta acrílica areada e a
manipulação de materiais de baixo custo reaproveitados do quotidiano doméstico
ou industrial. Resumindo demonstram os rastos do engenho do artista que constituem as suas marcas
identitárias.
Integram a exposição algumas obras
icónicas: Salinas, α e x Segunda derivada da paisagem em ordem ao tempo,
e Sem título, realizadas respetivamente em 2006, 1994 e 1984, e três
instalações concebidas especialmente para o espaço do Museu de Aveiro / Santa
Joana: As vidraças do Palácio de Almada Negreiros, O pintor e o
modelo e Contornos. Nestas três assemblagens a matéria de
intervenção são materiais do quotidiano do seu atelier (cavalete de pintura,
latas de tinta, bancos, portas de mobiliário…), objetos de instalações
anteriores, associados com obras de arte concebidas anteriormente e elementos
da paisagem das Salinas. Rui Aguiar faz nestas obras uma síntese da sua atitude
artística caraterizada pelo acto de extrair dos materiais diários com que
lidamos matéria de expressão plástica. A obra Salinas, composta por
duas telas, possui um aspecto tátil dado pelo uso da tinta acrílica “areada”
que nos remete diretamente para elementos da paisagem, das salinas e do
ambiente natural da Ria de Aveiro. É pintada
com a aplicação sobre o suporte de pigmentos e resina misturados com cargas de sílica em múltiplas camadas.
Uma técnica, presente nas suas obras desde finais dos anos 80, que lhes atribui
uma textura densa, volume, e alguma tridimensionalidade. Esta forma de pintar constitui
um rasto único de Rui Aguiar.
A exposição revela o objeto que a
pintura do Rui Aguiar elege para retratar e/ou trabalhar com... É o quotidiano
do pintor o mote essencial da matéria com que ele cria. Na década de 80, o foco
está no ambiente da fábrica de tintas e nos seus diversos resíduos. Nas décadas
seguintes, a paisagem — seja natural ou urbana — torna-se o tema central. São
estes elementos o modelo, no sentido
clássico do termo, que o artista retrata nas obras presentes e que predominam
com maior intensidade ao longo do seu percurso artístico. O modelo nu feminino,
tema importante e recorrente nas artes visuais, reconhece-se nesta mostra nas
formas distorcidas ou transformadas, de cariz surrealista presentes nas obras
digitais.
O Fragmento atualidade/arte digital em
exposição dá-nos nota de trabalhos concebidos digitalmente nas últimas
duas décadas e é composto por telas impressas e pela exibição
videográfica de obras digitais produzidas por Rui Aguiar. Estes trabalhos podem
ser entendidos como um sinal de coragem no abandonar da prática distintivamente
reconhecida e apreciada na sua intervenção artística, ao mesmo tempo que
representam uma continuidade na exploração de novas técnicas e linguagens
plásticas. Apresentam-se essencialmente em slides de imagens, podendo ser
interpretados como maquetas, estudos ou projetos de eventuais obras físicas.
Lembram de alguma forma, entre outras, as maquetas realizadas na década de 80
com colagens de recortes de fotografias para a conceção dos objetos
escultóricos com tampas e aros metálicos e os desenhos de estudo para as
pinturas das obras sem título
do universo das “latas de tinta”. Possuem contudo um carater próprio
funcionando como imagens artísticas abstratizantes que se debruçam sobre
problemáticas da atualidade e/ou sobre memorias de experiências artísticas que
marcaram a história da arte inclusive na sua relação de coevolução com o tempo
das tecnologias.