Rastos e Fragmentos - Aveiro 2025

 




Celebramos os 80 anos de vida do pintor Rui Aguiar com a apresentação de um conjunto de obras reveladoras de alguns Rastos e Fragmentos do seu percurso artístico. A mostra é organizada em três partes: atualidade/arte digital; Sal/Aveiro; e um olhar arte povera/a Fábrica. Três Fragmentos de um percurso correspondentes a três momentos chave de mudança e de maturidade na conceção artística que nos permitem observar singularidades temporais e simultaneamente caraterísticas identitárias do percurso de Rui Aguiar, os seus Rastos.

Fragmentos, são no universo do pintor, objetos, materiais e ideias que se encontram à nossa volta, reaproveitados e manipulados para a conceção artística. Tem uma presença constante nos trabalhos de Rui Aguiar desde as primeiras colagens com recortes de todo o tipo de papel (embalagens, jornais, revistas) às assemblagens (latas, tampas, garrafas), passando pela pintura com colagens e, mais recentemente, na manipulação digital de fotografias.

As obras expostas permitem explorar a diversidade e a singularidade do trabalho de Rui Aguiar. São escolhidas entre aquelas que o pintor conservou no seu atelier como “obras disponíveis para eventuais exposições antológicas” e obras inéditas que encontram agora a oportunidade e motivo de exposição. São obras que revelam o essencial das técnicas exploradas e introduzidas com grande expressão e surpresa na Pintura, tais como o uso da tinta acrílica areada e a manipulação de materiais de baixo custo reaproveitados do quotidiano doméstico ou industrial. Resumindo demonstram os rastos do engenho do artista que constituem as suas marcas identitárias.

Integram a exposição algumas obras icónicas: Salinas, α e x Segunda derivada da paisagem em ordem ao tempo, e Sem título, realizadas respetivamente em 2006, 1994 e 1984, e três instalações concebidas especialmente para o espaço do Museu de Aveiro / Santa Joana: As vidraças do Palácio de Almada Negreiros, O pintor e o modelo e Contornos. Nestas três assemblagens a matéria de intervenção são materiais do quotidiano do seu atelier (cavalete de pintura, latas de tinta, bancos, portas de mobiliário…), objetos de instalações anteriores, associados com obras de arte concebidas anteriormente e elementos da paisagem das Salinas. Rui Aguiar faz nestas obras uma síntese da sua atitude artística caraterizada pelo acto de extrair dos materiais diários com que lidamos matéria de expressão plástica. A obra Salinas, composta por duas telas, possui um aspecto tátil dado pelo uso da tinta acrílica “areada” que nos remete diretamente para elementos da paisagem, das salinas e do ambiente natural da Ria de Aveiro.  É pintada com a aplicação sobre o suporte de pigmentos e resina misturados com cargas de sílica em múltiplas camadas. Uma técnica, presente nas suas obras desde finais dos anos 80, que lhes atribui uma textura densa, volume, e alguma tridimensionalidade. Esta forma de pintar constitui um rasto único de Rui Aguiar.

A exposição revela o objeto que a pintura do Rui Aguiar elege para retratar e/ou trabalhar com... É o quotidiano do pintor o mote essencial da matéria com que ele cria. Na década de 80, o foco está no ambiente da fábrica de tintas e nos seus diversos resíduos. Nas décadas seguintes, a paisagem — seja natural ou urbana — torna-se o tema central. São estes elementos o modelo, no sentido clássico do termo, que o artista retrata nas obras presentes e que predominam com maior intensidade ao longo do seu percurso artístico. O modelo nu feminino, tema importante e recorrente nas artes visuais, reconhece-se nesta mostra nas formas distorcidas ou transformadas, de cariz surrealista presentes nas obras digitais.

O Fragmento atualidade/arte digital em exposição dá-nos nota de trabalhos concebidos digitalmente nas últimas duas décadas e é composto por telas impressas e pela exibição videográfica de obras digitais produzidas por Rui Aguiar. Estes trabalhos podem ser entendidos como um sinal de coragem no abandonar da prática distintivamente reconhecida e apreciada na sua intervenção artística, ao mesmo tempo que representam uma continuidade na exploração de novas técnicas e linguagens plásticas. Apresentam-se essencialmente em slides de imagens, podendo ser interpretados como maquetas, estudos ou projetos de eventuais obras físicas. Lembram de alguma forma, entre outras, as maquetas realizadas na década de 80 com colagens de recortes de fotografias para a conceção dos objetos escultóricos com tampas e aros metálicos e os desenhos de estudo para as pinturas das obras sem título do universo das “latas de tinta”. Possuem contudo um carater próprio funcionando como imagens artísticas abstratizantes que se debruçam sobre problemáticas da atualidade e/ou sobre memorias de experiências artísticas que marcaram a história da arte inclusive na sua relação de coevolução com o tempo das tecnologias.